Tenho lido muito sobre a abertura dos jardins de infância a dia 1 de junho, e muitos desses textos não referem a parte emocional das crianças, talvez a mais importante neste processo todo! Encontrei este texto muito esclarecedor e que transcrevo abaixo.
(retirado da página pessoal do facebook de An Dreia)
"Sou psicóloga e mãe de duas crianças em idade de creche.
Apesar de considerar que é louvável o esforço e estratégia dos nossos governantes perante a pandemia, sei que as medidas avançadas pela DGS a implementar no regresso à creche trazem mais problemas que soluções.
Compreendo que venham dar resposta a um problema importante das famílias e das empresas. Também sei que não há soluções perfeitas. Mas, enquanto profissional, não posso admitir que bebés e crianças passem pelo que se anuncia.
Desde a máscara a tapar o rosto dos profissionais, assustando as crianças pequenas e, sobretudo, perturbando os bebés (sabemos a importância do rosto enquanto organizador psíquico, nestas idades); ao impedimento do livre movimento das crianças; à proibição do brincar livre, da partilha, da aproximação ao outro; à imposição de rotinas demasiado ritualizadas.
Estas dinâmicas, baseadas em medos do sujo, da relação e da espontaneidade, onde a regra é compensar limpando, afastando e quebrando qualquer iniciativa e fluidez da criança, não têm como não causar um impacto extremamente negativo na saúde mental actual destas crianças e, possivelmente, na construção da sua personalidade.
Estamos a ensiná-las a recear o outro, a transmitir-lhes que existem perigos invisíveis que as podem atingir se se aproximarem dos outros.
Estamos a premiar que sejam crianças inibidas, travadas, medrosas, "atadas".
E estamos a criar situações sem sentido para elas, o que ou fará com que as mais velhas e capazes desenvolvam fantasmas e teorias provavelmente assustadoras ligadas a angústias paranóides ou de aniquilamento e/ou ao controlo pela ritualização obsessiva. As mais novas não terão possibilidade de montar esta (triste) cena psíquica e prevê-se que reajam com disrupção comportamental, com regressão, agressividade e/ou retirada quase autística.
Sim, é uma situação extraordinária e, sim, as crianças adaptam-se. Mas estamos a falar de situações que são para as crianças "uma vida". Não têm a noção de temporário. É um temporário muito longo, em idades-chave do desenvolvimento e da relação com o mundo extra-família.
Como mãe, "felizmente", tenho a possibilidade de escolher manter os meus filhos em casa mais um tempo, o que já tem sido nocivo para a saúde mental deles, especialmente porque moramos numa zona densamente populada, pelo que temos de adoptar imensos comportamentos restritivos que já impõem neles pressões semelhantes com as que descrevo acima. E o isolamento social-afectivo tem sido mau para eles. Neste contexto, voltar à creche deveria ser uma lufada de ar fresco, mostrando-lhes que a vida ainda continua a existir e as outras pessoas também e que estas não são perigosas.
A DGS tem de decidir se existe risco importante de doença para as crianças, profissionais e população, na sequência da reabertura das creches. Se considera que o risco não é suficientemente elevado e que existem condições para a reabertura, então reabramos. Mas, tal como disse, com condições.
Isto não são condições.
Seriam condições: deixar as crianças tocar, correr, abraçar, partilhar e relacionarem-se. Certamente que não as iria traumatizar, por outro lado, a lavagem das mãos, a desinfecção dos espaços, o evitamento do contacto com crianças de outras salas, a restrição à circulação de familiares, levarem sapatos para usar dentro da escola, etc.
Enquanto psicóloga clínica e da saúde especialista e mãe, não tenho competências para afirmar se as creches devem ou não abrir. Confio essa avaliação aos especialistas das respectivas áreas. Enquanto especialista da minha área, afirmo, sem hesitação:
Se não há condições de segurança para abrir sem danificar a saúde mental das crianças, as creches terão que permanecer fechadas".
Comentários
Enviar um comentário